Entrada da favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, onde PM supostamente negociavam com traficantes
O iG teve acesso com exclusividade ao relatório da investigação que resultou na Operação Herdeiros, que foi deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro em dezembro do ano passado.
A ação culminou nas prisões de 11 PMs de oito batalhões e dois policiais civis suspeitos de vender armas e drogas para traficantes da favela do Jacarezinho, na zona norte da captal.
O relatório traz detalhes de como ocorriam as negociações entre os policiais suspeitos e os criminosos. Os PMs e os agentes acusados estão respondendo a um processo que corre na 35ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça.
Segundo as investigações, grande parte do material vendido pelos policiais era apreendido em outras comunidades, o chamado 'espólio de guerra'. Houve casos também em que PMs envolvidos no esquema realizavam operações clandestinas em favelas e recolhiam armas e drogas para serem repassadas a outros traficantes.
O traficante supostamente responsável por todas as negociações com os PMs, Jorge Luís Bernardes Fraga, o Neném, foi preso na semana passada quando era atendido em uma clínica particular no bairro das Laranjeiras, na zona sul carioca. Um ex-militar do Exército, já preso, auxiliava Neném nos contatos com os policiais suspeitos, de acordo com as investigações
De acordo com o relatório, uma das supostas negociações teria ocorrido no dia 7 de junho do ano passado. Na ocasião, um policial militar que à época era lotado no 40º Batalhão, no Irajá, na zona norte da capital, foi até a favela do Jacarezinho e teria oferecido aos traficantes um fuzil ao preço de R$ 35 mil. Os criminosos não aceitaram e disseram que poderiam pagar somente R$ 27 mil. O PM, de início, não aceitou a contraproposta, já que teria que dividir o lucro com colegas de farda.
O fuzil teria sido fornecido por dois PMs irmãos e que eram suspeitos de chefiarem uma milícia que atua nos bairros de Brás de Pina e Cordovil, na zona norte. A arma foi entregue primeiramente a um outro policial militar, que pertencia ao 18º Batalhão (Jacarepaguá, na zona oeste), que a repassou para o colega do 40º BPM vendê-la no Jacarezinho.
Três dias mais tarde, ficou acertado que o fuzil seria vendido por R$ 26 mil. Um traficante da favela ainda pediu ao PM que comercializou a arma que levasse munições para testá-la.
rmas e drogas apreendidas na favela do Jacarezinho. Traficantes da comunidade compravam material com PMs, revela investigação
Fuzil do São Carlos
Um dia depois, o mesmo PM do 40º iniciou negociações para vender outro fuzil no Jacarezinho. A arma foi oferecida por R$ 40 mil. Os criminosos cobraram do PM a procedência da mesma já que um dos bandidos da favela disse que teria visto o fuzil em outra comunidade dominada pela facção criminosa Comando Vermelho (CV), que também controla o Jacarezinho.
O PM do 40º Batalhão consultou o mesmo colega do 18º BPM que também lhe encaminhara a arma. Ele disse que o fuzil fora apreendido em uma comunidade que fica próximoa ao Hospital Central da corporação (HCPM), no Estácio, na região central da capital, provavelmente no morro de São Carlos, ocupado por uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) desde fevereiro de 2011.
No dia 12 de junho, o PM do 40º voltou a negociar com o os bandidos e o fuzil acabou vendido ao preço de R$ 45 mil, sendo que o policial receberia na hora R$ 27 mil e R$ 18 mil mais tarde.
Seis dias depois, os traficantes voltaram a falar com o PM e pediram para ele levar 20 munições à favela a fim de que a arma fosse testada. Na conversa, um dos bandidos disse ao policial que um dos chefes do tráfico na comunidade teria feito um primeiro teste com seis munições mas houve falhas.
Comissão de R$ 500
No dia 14 de janeiro do ano passado. os mesmos PMs do 18º e do 40º, que negociariam futuramente os fuzis com os traficantes do Jacarezinho, já tinham supostamente vendido cerca de 10 kg de cocaína para os bandidos ao preço de R$ 12,5 mil o quilo. Ficou acertado que cada PM receberia R$ 500 por cada quilo comercializado.
Em junho de 2011, os mesmos PMs teriam supostamente negociado venda de maconha para os traficantes do Jacarezinho. No dia 19 daquele mês, um deles foi até a favela para levar parte do entorpecente. Na ocasião, ficou acertado que os criminosos pagariam R$ 850 por três quilos e R$ 1.000 por dois quilos. Os traficantes teriam pedido ao policial mais drogas.
O restante da maconha solicitado foi entregue por um dos PMs mas os traficantes não teriam gostado da qualidade e mandaram devolver. Entretanto, na época, houve uma apreensão de 90 kg da droga no Jacarezinho e os criminosos voltaram atrás e pediram a maconha de volta.
Os mesmos PMs do 18º e do 40º batalhões teriam ainda supostamente vendido 100 kg de maconha aos traficantes do Jacarezinho em fevereiro do ano passado. A droga teria sido entregue aos bandidos entre os dias 15 e 16 daquele mês.
O PM do 18º Batalhão suspeito de fornecer armas e drogas fora preso em flagrante no dia 21 de junho de 2011. Na ocasião, ele estava na companhia de um outro PM, do batalhão do Méier (3º BPM) de quem compraria uma pistola HK, de calibre nove milímetros com três carregadores e um coldre. A arma, segundo as investigações, seria vendida aos bandidos do Jacarezinho possivelmente por R$ 2.625, quantia que foi apreendida na época.
Já o PM do 40º foi preso no dia 3 de agosto de 2011. Na ocasião, ele estava na companhia do ex-militar do Exército quando iria negociar uma arma (não especificada) com o traficante Neném do Jacarezinho. Com os dois, foram achadas munições de calibre 762 (fuzil).
PM do Alemão
As investigações revelaram que um PM do batalhão de Campanha que atua no Complexo do Alemão, na zona norte, após a ocupação, supostamente também intermediava a venda de drogas com os traficantes do Jacarezinho.
De acordo com as interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça, o PM tentou vender 8 kg de cocaína em junho do ano passado. A droga foi conseguida junto a PMs de Niterói. Os traficantes, de acordo com as conversas gravadas, tentaram levantar R$ 80 mil para adquirir o entorpecente.
No entanto, segundo o relatório da investigação, não houve acordo. Isto porque a quadrilha do Jacarezinho queria pagar somente em um sábado porque era "dia do fechamento das contas do tráfico", o que não foi aceito por um dos PMs, que queria que ao menos quatro quilos fossem quitados na hora.
Além de drogas e armas, os PMs também forneciam carros para que os traficantes fossem buscar drogas no Paraguai. Um dos veículos, um Gol branco, foi vendido pelos policiais ao bando do Jacarezinho por R$ 7.500 em janeiro de 2011.
Esse veículo foi apreendido pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no dia 24 daquele mês na cidade de Nova Esperança, no Paraná. No carro, foram encontrados 12 kg de maconha, 1 kg de haxixe e 3 kg de pasta de cocaína, drogas que pertenceriam ao traficante Neném, do Jacarezinho, que negociava com os PMs.
Operações ilegais
As investigações feitas pela Draco obtiveram informações sobre supostas operações clandestinas que seriam montadas por PMs para adquirir drogas e armas que seriam futuramente vendidas. Uma delas, consta no inquérito, teria ocorrido no dia 8 de dezembro do ano passado, na comunidade Nova Brasília, na Engenhoca, em Niterói.
Na ocasião, dois PMs teriam saído do local com duas malas cheias de drogas e ainda teriam supostamente recebido uma propina para liberar um traficante que fora preso. O material apreendido não foi apresentado na delegacia na época e um dos PMs ainda foi flagrado conversando com um comparsa e fazendo deboche: "Fizemos um trabalhinho bonito hoje".
Há outras gravações, feitas em julho de 2011, em que um suspeito liga para um PM do batalhão de Niterói e policiais civis de delegacias do município convocando os mesmos para realizar uma operação ilegal na favela da Galinha, na mesma cidade. Segundo o inquérito, o comparsa dos policiais já havia levantado com um informante que o melhor dia para o trabalho seria um sábado e possíveis locais para apreensões.
Propinas internas
Consta ainda na investigação que os PMs que participavam de negócios ilegais pagariam supostas propinas a oficiais de dia (de R$ 50 por exemplo) e os responsáveis pela reserva de armamento dos batalhões. O dinheiro serviria para que eles inserissem informações falsas no livro de registro e, consequentemente, viabilizassem a saída irregular de policiais dos quartéis para a prática de supostos crimes.
Os PMs suspeitos de serem fornecedores do tráfico possuíam um armeiro que realizava a manutenção das armas antes que elas fossem apresentadas aos criminosos. O suposto armeiro fora preso no dia 26 de outubro do ano passado, em Bangu, na zona oeste da capital.
Com ele, foi preso também um homem suspeito de fornecer armas e drogas para serem vendidas pelos PMs e de levantar para os policiais informações sobre o tráfico de drogas em delegacias.
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